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Beto Sassá: Trajectória de uma vida

por Redação

Alberto Arsênio, conhecido por Beto Sassá é da geração cujo embrião da musicalidade faz parte da música angolana pós 25 de Abril, durante o qual a rádio e a televisão divulgavam as letras outrora escondidas nos sons da dikanza.

Estas memórias foram colectadas quase de forma espontânea. O entrevistado conduziu o diálogo e durante a transcrição nota-se fluência estruturada. Esta memória descreve o papel e factos dos conjuntos Matadidi, Afrobeat, Economic Jazz Band e de músicos entre os quais o seu falecido irmão, motivador da sua veia musical.


Descreve ainda memórias da sua outra profissão desempenhada na companhia marítima ANGONAVE, cujo cargo principal foi a representação nos Países Baixos e em Portugal.


Alberto Arsénio de Sousa, “este nome era o nome de um tio avô paterno, por isso a minha avó chamava-me por meu cunhado. Nasci no bairro Indigena onde está actualmente a Cidadela Desportiva. Meu pai era funcionário da Administração Civil, portanto teve fácil acesso a essas moradias”.


“Entrei para a instrução primária na escola dos padres da Igreja São Domingos, onde fiz o primeiro ano. Depois, os meus pais mudaram-se para “aquele” bairro Indigena conhecido por Saiotes, na área dos Congolenses pertencente a Companhia de Diamantes, onde morei e cresci até aos quinze anos de idade. Fiz a quarta classe na escola hoje chamada escola da Ginguba. Depois, estudei o ensino preparatório na Escola João Crisóstomo, actual N`Gola Kanini e segui para a escola Industrial Oliveira Salazar, hoje Instituto Makarenko onde concluí o ensino médio”.


E quando implantaram o pré-universitário, “outrora (senão me engano) era chamada Secção, estudava-se mais dois anos para ter acesso a faculdade. Quando estou no pré-universitário, por qualquer razão, já tínhamos professores cubanos das Brigadas Che Guevara e houve uma altura em que eu zanguei-me e já não estava muito bem com aquela situação, já tinha outras ideias e um dia aborreci-me com a professora porque ela estava a ensinar uma matéria que eu já tinha dado na Escola Industrial e eu interrompia-a muitas vezes, ela não achou correcto e disse que estava a dar elementarmente e eu disse-lhe que já tinha estudado aquela matéria, insisto e entramos em contradição. Ela ficou zangada e disse-me ‘companheiro Berto ou se vai você fora da sala ou me voy eu’, eu digo não saio, porque eu vim cá para estudar. Naquela altura, os colegas com aquele espírito revolucionário disseram ‘camarada Beto saia da aula’”.
A partir daquele dia, “não tive outra alternativa a não ser amadurecer a ideia de sair do país com a intenção de continuar os meus estudos em outro sítio.

A tendência era ir para Portugal onde estavam os meus amigos. Naquela altura, não era fácil cumprir com os requisitos e as exigências eram complexas, fui analisando formas de sair do país até ir trabalhar na ANGONAVE. Depois de várias etapas, em outras condições o empregador proporcionou-me a saída do país”.


Ao longo desse percurso, “fui sempre um funcionário da música, aliás tive um irmão mais velho que se chamava Arsénio Manuel de Sousa, tinha o nome do meu avô. Era músico, cantava e tocava guitarra, chamavam-lhe o Percy Sledge de Angola, porque o imitava. Tínhamos diferença de cinco anos e eu o acompanhava nos sítios onde ele tinha acesso, era em escolas e festas de escolas, porque naquela altura, antes do 25 de Abril, ele frequentou a Secção e depois foi para a tropa portuguesa. Antes, esteve na Mocidade Portuguesa, onde tinha grande influência, porque já ostentava uma patente alta e eu seguia-o, foi por inspiração dele”.


Os portugueses não dominavam suficientemente as nossas línguas para captarem as mensagens africanistas.


Caso contrário, muitos outros músicos teriam passado a sua juventude na cadeia. Aos quinze anos de idade forma um pelotão de pioneiros para ensinar a tocar instrumentos da antiga fanfarra da Mocidade Portuguesa e exibe-se na primeira comemoração do dia da Juventude Angolana, 14 de Abril de 1976.


Durante o período de transição vai reencontrar os amigos da Casa dos Rapazes e da Mocidade Portuguesa de Luanda, com os quais participou em acampamentos no Mussulo, na Ilha de Luanda e nas marchas de datas festivas da igreja católica antes da independência. Recorda a façanha de circular gratuitamente nos autocarros públicos no dia 01 de Dezembro desde que exibisse o uniforme da Mocidade Portuguesa, o que o envaidecia por se destacar dos outros.


O pioneiro Sabalo representou as crianças na Proclamação da Independência de Angola ao içar a primeira bandeira de Angola em conjunto com uma representante da OMA e com um herói do 4 de Fevereiro. Neste dia, 11 de Novembro de 1975, o depoente fardou-se, não para participar em mais um transporte de material de guerra para a Batalha de Kifangondo que ocorria no período da proclamação da independência, mas para participar neste acto. Na véspera, ensaiou o hino nacional até tarde, o músico Carlos Lamartine esteve na sede da JMPLA à procura de miúdos da fanfarra para participarem na composição instrumental do hino nacional.


Foi praticando instrumentos de sopro, com destaque para o desempenho no conjunto de Matadidi Mário, o músico quase construiu uma orquestra, tinha doze metálicos, dos quais os angolanos, Santana e Beto Sassá. Durante a libertação dos restantes países da agora SADC, incentiva instrumentistas sul-africanos do ANC a formarem o conjunto AMANDLA.


Actualmente, dedica-se ao resgate do semba e de outras sonoridades antigas, cujo risco de extinção já foi maior, fazendo referência aos novos guardiões como o Eddy Tussa. (J24 Horas)

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