Início Política Angola entre piores países para se fazer jornalismo na África sub-sahariana

Angola entre piores países para se fazer jornalismo na África sub-sahariana

por Redação

Declarações da coordenadora do CPJ coincidem com mais um caso em que entidades do governo angolano usam esse meio para levar jornalistas a tribunal

Angola é o país que mais uso faz de difamação criminal contra jornalistas o que levanta suspeitas sobre o seu uso, disse a coordenadora do programa para África do Comité de Protecção dos Jornalistas (CPJ), Ângela Quintal.

Em declarações à Voz da América Quintal fez notar que as leis de difamação criminal “são uma reliíquia do passado colonial e a nossa esperança é que governos democratas pós-colonialismo não usassem essas tácticas”.

As declarações desta cordenadora da CPJ coincidem com mais um caso em que entidades do governo angolano usam esse meio para levar jornalistas a tribunal.

Com efeito, três jornalistas da rádio católica no Huambo foram chamados a prestar declarações na polícia na semana passada, como parte de um processo – crime de calúnia e difamação.

O caso está relacionado com uma reportagem sobre o alegado envolvimento do comandante da polícia do bairro São João no tráfico de armas de fogo e de munições.  Os jornalistas recusaram fornecer o nome da fonte da notícia sobre venda de armas por parte do comandante policial.

O director da rádio, Alberto Java, disse que o processo foi instaurado depois da emissora se ter recusado a fornecer a fonte da sua informação.

“O que eles queriam era que citássemos a fonte, mas segundo a nossa deontologia não temos a obrigação de citar a fonte numa situação delicada como esta”, disse o prelado que frisou que a emissora tinha buscado a reacção da polícia mas sem sucesso. “Nós fomos atrás do contraditório e a polícia não colaborou”, disse.

O jornalista Diamantino de Azevedo, autor da matéria em causa, disse na entrevista que um ex-presidiário disse que tinha comprado uma arma de fogo e munições ao comandante da esquadra por 50.000 kwanzas.

“Mas nós contactámos a polícia para responder, foi prometido fazê-lo dentro de 24 horas, o que não chegou a acontecer, pelo que o director mandou publicar a matéria”, esclareceu.

O porta-voz do Ministério do Interior, Martinho Kavita, disse ter-se pronunciado sobre a matéria, mas que nesta altura o caso está sob alçada pessoal e não institucional. “O assunto agora já não é institucional, mas pessoal. Seria mais proveitoso ouvir o advogado da causa”, sugeriu.

O director da rádio apela às autoridades a pautar pela verdade, sendo a liberdade de imprensa um pressuposto legal de um estado de direito e democrático. “Nós não nos vamos calar, vamos manter a nossa linha na busca da isenção, pluralismo, objectividade da verdade”, acrescentou.

Enquanto isso, Ângela Quintal sublinhou que a sua organização não se opõe a que alegada difamação seja levada a tribunal, mas disse haver diferença entre“um caso de difamação criminal e difamação normal”.

“Não estamos a dizer que pessoas que são ofendidas não tenham a capacidade de levar a tribunal num caso civil quem eles acreditam que as difamaram”, disse.

“Há uma diferenca entre difamação criminal e difamação normal e nenhum jornalista deve ir para a prisão por difamação criminal”, acrescentou, sublinhando que em Angola a maioria dos casos envolve entidades do governo que têm jornalistas como alvos.

“Isto não se deu uma ou duas vezes (pois) há jornalistas que têm sido alvo de acções de difamação criminal há vários anos e foram levados a tribunal em muitas ocasiões”, afirmou ainda Ângela Quintal para quem “certamente que há outras medidas e é tudo o que nós pedimos”.

A coordenadora do CPJ lamentou que o presidente João Lourenço não tenha cumprido a sua “promessa inicial” de reformas para garantir a liberdade de imprensa e disse que “o uso de difamação criminal colocou Angola como um dos piores países em que se pode ser jornalista na África sub-sahariana”.

“Não se é morto mas obviamente que se é perseguido em tribunais ou levado para interrogatórios pela procuradoria e isso faz aumentar o stress e trauma a que os jornalsitas fazem face e resulta também em auto censura”, disse.

Para Ângela Quintal, o facto de um jornalista não ser necessariamente preso não significa que a situação de direitos humanos seja boa fazendo ainda notar que as televisões privadas foram encerradas.

“O direito do público a saber, tem que ser baseado numa informação diversa e livre por parte de uma grande variedade de jornalistas”, disse.

Ângela Quintal condenou por outro lado recentes ataques e actos de intimidação contra jornalistas de orgãos estatais.

Não há desculpapara se atacar um jornalista que esteja a fazer o seu trabalho quer trabalhe para o sector privado ou estatal, “não importa quão ideológicamente diferente seja”, afirmou.

Jornalistas angolanos temem pelo futuro da profissão

A classe de jornalistas em Angola teme pelo futuro da profissão que está mergulhada numa crise com um histórico nunca antes visto.

Vários profissionais qualificam o actual estado da comunicação social no país como o pior momento da sua história. Os jornalistas consideram não haver memória para uma degradação tão acentuada sobre a perda das conquistas alcançadas nos últimos anos.

O monopólio da maioria dos órgãos tradicionais de comunicação social que passaram para o controle do governo, traduzem uma realidade que ameaça o estado de direito democrático, como manifestaram alguns jornalistas contactados pela Voz da América.

Outra preocupação tem que ver com a segurança dos jornalistas e o controlo absoluto das linhas editoriais, que se reflecte no encerramento de vários órgãos de comunicação, alguns dos quais vítimas da grave crise económica que continua a afectar o país.

O Comité de Protecção de Jornalistas manifestou-se, recentemente, cada vez mais preocupado com a deterioração do ambiente para a liberdade de imprensa em Angola, à medida que o país se aproxima das eleições em Agosto deste ano.

Aquela organização não governamental com sede em Nova Iorque defende que a imprensa deveria realizar o seu trabalho livre de intimidação e risco de agressão, para que todos os angolanos possam usufruir do seu direito à diversidade e pluralidade de notícias e informações.

Sobre o actual estado da comunicação social em Angola, o Secretário Geral do Sindicato dos Jornalista descreve um ambiente assustador, a julgar pelos últimos acontecimentos.

Teixeira Cândido não encontra explicações que justifiquem este ambiente e chama a atenção para as ameaças contra a integridade física dos jornalistas angolanos. (In VOA)

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