Início Política Jurista António Ventura considera: “Em Angola pobres não têm acesso à justiça”

Jurista António Ventura considera: “Em Angola pobres não têm acesso à justiça”

por Redação

O jurista António Ventura garante que, em algumas províncias, a situação de infraestruturas no sector da Justiça é constrangedora apontos de cinco ou mais juízes disputarem uma única sala para julgamento e os advogados não têm gabinetes para privar com os seus constituintes

Domingos Kinguari

O Jornal 24 Horas online apurou do jurista que é triste observar que no âmbito do programa de reconstrução nacional, no período pós-guerra civil, «verificou-se que não foram construídas ou reconstruídas muitas infraestruturas para o sector da Justiça, refiro-me, a edifícios para tribunais e procuradorias», apontou.

António Ventura avançou que «a Constituição fala da institucionalização da defesa pública, meio pelo qual o Estado assegura às pessoas, com insuficiência de meios financeiros,  assistência jurídica e patrocínio forense oficioso, mas até hoje não existe a lei, nem defensores oficiosos e, consequentemente, cidadãos sem grandes condições financeiras continuam com limitações no acesso à justiça ou ampla e efectiva defesa», assegura.

Em sua opinião, «o Supremo Tribunal Militar não funciona em instalações próprias e, em Luanda, já estão a funcionar novos edifícios para os tribunais de Viana, Cacuaco, Benfica, Kilamba Kiaxi e mais um novo edifício no projecto Nova Vida. Mas é diferente no Huambo, Lunda –Norte, Zaire e Bengo, por exemplo. Por outro lado, ainda não foram efectivadas as salas de contenciosos administrativos», disse.

Segundo o causídico, «o Executivo adquiriu e foram aproveitados vinte e um edifícios da ex.-empresa ‘AAA’ em diversas províncias,  em que foram adaptadas como salas para os advogados. Todavia, muitos deles ainda não garantem a acessibilidade para pessoas com deficiências. No domínio da justiça penal, os edifícios que albergam os serviços de investigação criminal continuam a carecer de melhores condições de trabalho, entre os quais, comunicação e informatização dos serviços, equipamentos informáticos, laboratórios criminais, transporte e segurança», reitera.

Tais situações, esclarece, continuam a contribuir para a morosidade, sobretudo na investigação dos crimes, instrução e no julgamento dos processos criminais.

A mesma constatação, segundo António Ventura, «verifica-se nas condições de trabalho, transporte e comunicação, mobiliário no cartório para os oficiais de justiça, secretários judiciais, escrivãos, oficiais de diligência, que ainda não são das melhores, sobretudo, as salariais. No domínio das penitenciárias, foram construídas novas cadeias civis e melhoraram algumas que existiam.

Serviços penitenciários continuam a maltratar reclusos

Reconhece que existe alguma melhoria nas condições organizatórias nas cadeias do país, «com a disponibilidade de mais psicólogos e assistentes sociais. Todavia, ainda continuam a existir casos de maus tratos, tratamentos cruéis e degradantes dos reclusos. As estruturas das cadeias militares também estão em estado crítico», sublinha.

O professor universitário na disciplina de Direito Constitucional e Ciências Política, considera que um outro desafio tem a ver com a introdução das novas tecnologias nos tribunais com adopção e introdução das TICS, «isto é promover um processo de gestão informatizada dos tribunais. É visível o acúmulo de papéis, a falta de impressoras e tinteiros, até transporte para levar as notificações. Nesta conformidade, no plano prático, os tribunais da Relação ainda não funcionam efectivamente e os tribunais são geridos com base no modelo antigo, consequentemente, a autonomia e independência administrativa e financeira dos tribunais ainda não é plena e efectiva», disse.

Reconheceu durante a conferência sobre «a Reforma da Justiça e o Combate à Corrupção; do discurso à prática», promovido pela Associação Mãos Livres, que em Angola existe a lei da arbitragem voluntária que regula a institucionalização e funcionamento da mesma. «Na sequência, desde 26 de Junho de 2014, começou a funcionar o Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL), que agrega num um único espaço físico serviços de consulta, informação e conselho jurídico, mediação, conciliação, arbitragem e defesa pública. O centro é público, adstrito ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, mas funciona apenas em Luanda», lamenta.

O jurista informou que «até 2015, o CREL recebeu 1.534 utentes para tratar de assuntos diversos, sendo que 295 para informações jurídicas gerais, 262 para consultas jurídicas e 433 casos para mediação e conciliação. Deram entrada para mediação e conciliação 660 processos dos quais só 210 resultaram em acordos. Todavia, o anúncio de que os serviços passariam a ser cobrados aos utentes afasta os cidadãos desprovidos de meios financeiros para acederem a ele. Além deste, existem também outros centros privados de mediação e arbitragem», lembra.

António Ventura está preocupado sobre a forma como é feito o combate à pequena criminalidade no país: «ela é ainda combatida com a privação da liberdade e não se procura outros métodos como a justiça restaurativa ou aplicação de penas alternativas à privação da liberdade», elucidou.

Ventura não tem dúvidas que os juízes angolanos actuam de acordo com as convicções políticas; «nas decisões dos tribunais de primeira instância verificamos a tendência de continuidade ideológica dos juízes, isto é de colocar os tribunais no cumprimento de objectivos ‘revolucionários’ de apoio ao sistema político, social, económico e de garante da legalidade, próprias de um partido-Estado; há conservadorismo. Neste sentido, os juízes actuam de acordo com as suas convicções políticas, sociais e partidárias, pensando que no tocante às liberdades e garantias dos cidadãos e nas iniciativas económicas, garantias fiscais, o Estado tem sempre razão, mesmo no domínio dos direitos económicos e sociais. Não é possível, a permanente morosidade dos tribunais nos casos de processos fiscais, administrativos, assim não atrai o investimento privado sério», assegura.

Realçou que «os recursos extraordinários de inconstitucionalidade solicitados ao Tribunal Constitucional, detectamos que os juízes tendencialmente decidem ou actuam de acordo com outras convicções políticas, sociais e cívicas. Diríamos que há um progresso ideológico em direcção ao Estado democrático de direito, cujo pilar principal é a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, há progressos ou tendência liberal, apesar do recente acórdão n.º 700/2021, cuja juridicidade e justeza seja questionável no quadro dos valores do Estado de direito democrático», refere.

O académico considera que para termos um sistema de justiça novo e capaz de dar respostas assertivas aos desafios económicos e políticos actuais, «é necessário preparar os tribunais para julgar de acordo com os direitos humanos em harmonia com os pactos ou convenções dos direitos humanos ratificados pelo Estado ou com os valores de uma sociedade democrática, nomeadamente: a igualdade dos cidadãos perante a lei/pluralismo de expressão, social, económico e de organização política e cívica/a garantia dos direitos e liberdades básicas dos cidadãos/acesso à informação /a defesa dos direitos das minorias/ os limites constitucionais do governo, entre outros», pontualizou.

«O novo sistema de justiça deve ser capaz de proteger os direitos dos cidadãos sem ceder à pressão do poder dos grupos económicos, sociais e político- partidários da sociedade. Defendemos que ainda não temos um novo sistema judicial adequado aos desafios do tempo que corre», rematou.

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