É absolutamente necessários que os governantes governem de facto para os cidadãos e com os cidadãos; é necessário que tenham visão estratégica à dimensão da realidade nacional; é necessário que haja vontade política, empenho verdadeiro e patriotismo.
Licínio Adriano
Completaram-se nesta semana 30 anos desde que, em 14 de Dezembro de 1990, o Cardeal Dom Alexandre do Nascimento afirmou, durante uma entrevista ao jornal francês Le Monde: «Os amigos de Angola amam as riquezas do país muito mais que os seus habitantes. Se Angola tivesse menos ouro, menos petróleo, menos algodão, menos diamantes, ter-nos-iam deixado em paz […]. O mais importante é pôr um ponto final à guerra. Sem a guerra não mais teríamos a necessidade de mendigar».
Contudo, passados pouco mais de dezoito anos, desde o fim da guerra, o Estado angolano caracteriza-se pelos poucos serviços que oferece aos seus cidadãos, tanto nas áreas social e económica quanto na cultural, apesar dos esforços realizados ao longo dos anos, desde a independência do país.
Comparados ao regime colonial, estes serviços estão realmente “democratizados”, mas se comparados às reais necessidades do povo angolano, constata-se que está longe de alcançar os seus objectivos.
O ajuste estrutural, não apenas evidencia resultados mínimos, como acentua o diferendo, aumentando as desigualdades e a injustiça dessa nova distribuição, pelo que, os angolanos defrontam-se, assim, com uma contradição paradoxal!
Em uma situação de desenvolvimento débil das forças produtivas e de pobreza, a distribuição da riqueza nacional é desigual. Menos desigual, porém, que quando o desenvolvimento conduz a uma nova riqueza, o que põe em destaque a importância dos mecanismos e das modalidades de distribuição da riqueza nacional e das transferências desta mesma riqueza de Angola para os centros e a urgente necessidade de as redefinir, segundo os interesses nacionais.
Esta missão, só as lideranças comprometidas com o bem-estar do povo e da Nação têm competência e sabedoria de, em conjunto com o povo, encontrar a via da solução destas questoes.
Em tal conjuntura, a democracia é uma ilusão! Contam apenas a aparência e o formalismo. O povo angolano torna-se um elemento passivo da vida social. A qualidade é substituída pela quantidade, prelúdio do desenvolvimento e da ampliação da reificação.
E é isso que consolida, por um lado, a tendência à uniformização de todos os aspectos da vida no interior do sistema mundial (integração/racionalidade) e, por outro lado, a tendência à redução da consciência das sociedades civis a um simples reflexo.
Do ponto de vista etmológico, a democracia reúne dois ingredientes: o povo (demos) e a potência (kratos); e faz referência a um sistema em que a soberania pertence ao conjunto de cidadãos e não apenas a um ou alguns dentre eles.
Ela é um valor e uma exigência moral, resultante da insatisfação com o presente, da busca da restauração de uma situação de soberania e da demanda por uma melhor ordem político-social.
Como forma de organização da vida em sociedade e como modo de regulação das relações sociais, a democracia deve juntar as liberdades política, cívica e individual com a ordem económica, a igualdade social e os direitos colectivos.
Tenta-se, muitas vezes, separar o político do social e do económico mas, na verdade, são inseparáveis porque complementares. A totalidade democrática define-se pela articulação dessas ordens como condição necessária à libertação dos indivíduos de todos os condicionamentos que os oprimem, à sua participação plena no estabelecimento de regras que têm que observar, e em todas as esferas da vida social.
Para que a democracia seja efectiva e conduza à emancipação do cidadão angolano, com o aumento da sua participação nas decisões e na criação de regras de conduta, ela deve tornar seu o debate sobre a distribuição das riquezas nacional e mundial, com a preocupação de justiça social e de equidade.
Para o Banco Mundial e para o Fundo Monetário Internacional a “democracia” estaria melhor servida se Angola aplicasse os seus programas de ajustes, cujo objectivo principal é o de reforçar o mercado em relação ao Estado.
Segundo essas instituições, a privatização da propriedade pública é, por excelência, a garantia do pluralismo, assim como um mercado mais livre é a certeza da descentralização de decisões, da multiplicação de centros de poder e, por conseguinte, do fortalecimento da «sociedade civil» (nesse sentido, sociedade civil é sinónimo de sociedade “burguesa”).
Entretanto, esses programas ampliam, na maioria das vezes, a inflação e o desemprego, ao mesmo tempo em que controlam os salários, reduzem as fontes de financiamento e cortam os subsídios.
Como conseqüência, a maior parte dos ganhos dos cidadãos angolanos diminuíram em termos reais. Mais de 60% deles já vivem abaixo do nível de pobreza absoluta, o que leva a um aumento do sector informal e ao mercado paralelo, situação que se assiste actualmente.
Neste sentido, mais que falar por falar, mais do que as simples teorias, é absolutamente necessários que os governantes governem de facto para os cidadãos e com os cidadãos; é necessário que tenham visão estratégica à dimensão da realidade nacional; é necessário que haja vontade política, empenho verdadeiro e patriotismo.