O Titular do Poder Executivo (TPE), João Lourenço, está a ser apontado por cometer, reiteradamente, diversos atropelos à Lei dos Contratos Públicos pelo Ministério das Finanças que, pelo facto, alertou a Secretaria para os Assuntos Jurídicos e Judiciais (SAJJ) do Presidente da República
De acordo com informação a que este Jornal teve acesso, o Ministério das Finanças, em carta dirigida ao titular daquele departamento de apoio ao Presidente angolano, diz que lhe “causam profunda preocupação os Despachos Presidenciais de Autorização de Abertura de Procedimentos de Contratação Simplificada e Contratação Emergencial”.
Evocando o princípio da taxatividade dos procedimentos, o qual estabelece que “a escolha de procedimentos a adoptar pelas Entidades Públicas Contratantes é limitada pelos termos definidos por lei e, em concreto, deve basear-se nos requisitos legais para a sua escolha conforme estabelecido no artigo 24 da Lei n. 41/20, de 23 de Dezembro”, a carta do Ministério das Finanças, assinada pela própria ministra Vera Daves, sublinha que os Procedimentos de Contratação Pública e emergencial, aprovados por despachos do Titular do Poder Executivo, “apresentam-se em desconformidade com a LCP (Lei dos Contratos Públicos), por não reunirem os pressupostos para a sua adopção”.
O Ministério das Finanças reclama, também, na referida carta, de “não ser previamente consultado” quanto aos Procedimentos de Contratação Pública e emergencial, dos quais apenas “toma conhecimento da autorização do Titular do Poder Executivo” . Esse procedimento, reiterado, queixa-se o Ministério das Finanças deixa-o sem “margem de intervenção” através do Serviço Nacional da Contratação Pública (SNCP), o órgão que superintende esses actos.
No documento, o departamento ministerial dirigido por Vera Daves lembra “que em anos anteriores a 2018, antes do TPE proceder à assinatura de algum despacho referente à Contratação Pública, a Casa Civil do Presidente da República, por intermédio da Secretaria para os Assuntos Jurídicos e Judiciais remetia ao MINFIN, concretamente ao SNCP, para um parecer prévio sobre a conformidade, legalidade e regularidade do respectivo despacho, incluindo a existência de orçamento para a execução dos projectos”.
Na actual era, “e porque o pronunciamento depois da autorização para a abertura de procedimento do TPE é intempestivo, o efeito do nosso possível parecer sobre os despachos torna-se nulo”.
Assim sendo, o Ministério das Finanças, para a correcção da grave anomalia, implora a sua e a “intervenção da SAJJ” para que antes de submetidos à assinatura do TPE, os despachos referentes aos procedimentos afins sejam sanados de irregularidades “e actos ilegais”, acreditando que uma tal medida “promoverá também a melhoria da contratação pública e maior transparência”.
Desde que chegou à Presidência da República, em Setembro de 2017, João Lourenço já recorreu inúmeras vezes à modalidade de contratação pública simplificada – que dispensa o concurso público – para a adjudicação de obras públicas, no valor de várias centenas de milhões de dólares, à empreiteira Omatapalo.
Até mesmo para a aquisição de medicamentos, nomeadamente vacinas contra a Covid-19, o Titular do Poder Executivo tem privilegiado a contratação simplificada.
Há poucos dias, o TPE recorreu novamente ao seu método de adjudicação preferido para atribuir a Mitrelli, outra “devoradora” de empreitadas públicas, uma obra de arredondados 150 milhões de dólares.
Através do Despacho 213/21, João Lourenço autorizou a abertura de um procedimento de contratação simplificada para a construção de um estádio de futebol no Uíge, com custos avaliados em 38,8 milhões de dólares, e outro no Huambo, estimado em 40,9 milhões. Para a província do Bengo, o TPE autorizou a construção de um centro olímpico avaliado em 70 milhões de dólares.
Entretanto, o Correio Angolense (CA), autor da notícia, afirma que, depois da carta ter sido recebida nos Serviços de Apoio ao Presidente da República no dia 9 deste mês, desconhece se as mais recentes autorizações de contratações simplificadas já acomodaram as reclamações da ministra das Finanças.
Depois desta chamada de atenção ao TPE, que agora é pública, o futuro da ministra das Finanças é uma verdadeira incógnita.
Por norma, João Lourenço lida mal com a crítica ou chamada de atenção.
A carta da ministra das Finanças não é uma simples crítica. É uma denúncia das irregularidades, ou mesmo “actos ilegais”, reiteradamente praticadas pelo Titular do Poder Executivo. (Com a devida vênia ao CA)