O primeiro-ministro espanhol disse que «esta será a década de Espanha em África», ao apresentar o programa de acção do seu governo em Março.
O Tratado de Tordesilhas parece enterrado e o interesse de Espanha pelas terras africanas aumenta perante a passividade de Portugal, como prova a visita que o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez iniciou quarta-feira (07), explicam analistas.
Sánchez apresentou recentemente em Madrid um plano de investimento em África, que vai esta semana explicar em Angola e no Senegal, numa visita que decorre entre quarta e sexta-feira, realçando o interesse de Espanha neste continente, numa altura em que empresários e analistas sentem alguma passividade por parte do Governo português.
«Esta visita do primeiro-ministro espanhol, com enfoque em Angola, é um sinal claro de Espanha de apoio aos empresários espanhóis que actuam nestes países africanos e de claro incentivo a que mais empresários apostem no mercado africano.O Governo de Portugal tem sido menos activo neste aspecto», disse à Lusa Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP). Para Bobone, há uma «aposta inequívoca» de Espanha no mercado africano, que está a deixar a posição de Portugal subalternizada, depois de ter feito uma aposta em África «de que nunca poderá abdicar, mas que tem esquecido nos últimos anos».
«O Tratado de Tordesilhas tem sido sucessivas vezes enterrado, por Portugal e por Espanha, nos últimos séculos.E a aposta de Espanha em África, declarada recentemente por Pedro Sánchez, é mais um exemplo de como desapareceu qualquer divisão geográfica em termos de investida económica», disse Tiago Ramires, investigador português que trabalha no departamento de relações internacionais na Universidade de Santiago de Compostela.
Tiago Ramires refere-se ao acordo assinado em 1494 entre Portugal e a coroa de Castela, para dividir as terras «descobertas e por descobrir» por ambos os reinos fora da Europa, dando primazia a Madrid no continente americano e primazia a Lisboa no continente africano.
O investigador português recordou que Espanha tem tido vários problemas diplomáticos com países da América do Sul, salientando o episódio, de 2019, em que dois diplomatas espanhóis foram expulsos da Bolívia, acusados de ajudarem membros de um antigo governo boliviano.
Ao mesmo tempo, a aposta de Madrid em outras regiões do hemisfério sul intensifica-se, como prova uma declaração do primeiro-ministro espanhol, quando disse que «esta será a década de Espanha em África», ao apresentar o programa de acção do seu governo, no Palácio de Moncloa, em final de Março. Nessa apresentação, ao lado de Sánchez, estava o Presidente do Ghana, Nana Akufo-Addo, que saudou o ímpeto de investimento espanhol, mas que não se esqueceu de mencionar que esperava que a vontade de Madrid fosse partilhada pelos 27 países da União Europeia (UE).
«Portugal tem demonstrado que quer continuar a ter um papel económico relevante em África.O problema é que, das nove mil empresas que exportam para Angola e das muitas que procuram fazer investimento directo nesse país, poucas têm demonstrado resiliência para suportar as dificuldades dessa estratégia», explicou Sofia Gomes, analista de mercados e docente na Universidade do Porto.
Um exemplo do interesse português em África é a forma destacada como o Governo de António Costa prometeu colocar as relações entre a UE e os países africanos, na agenda da presidência do Conselho Europeu, neste primeiro semestre de 2021, explicou Sofia Gomes. Contudo, explica a analista de mercados, quando se olha para os números das relações entre Portugal e Angola, embora a balança comercial seja favorável a Portugal, a diferença tem vindo a diminuir e as estimativas são para um equilíbrio, o que revela que a estratégia de investimento português em África talvez não esteja a surtir efeito.
Chefes de governo de Espanha e Angola reúnem-se em Luanda
O chefe do governo de Espanha, Pedro Sánchez, cumpre esta quinta-feira (08), em Luanda, uma visita de trabalho, que tem como ponto mais alto o encontro com o Presidente de Angola, João Lourenço, com vista ao reforço da cooperação entre os dois países.
Pedro Sánchez, que chegou ao país na noite de quarta-feira acompanhado de uma extensa comitiva, incluída por empresários, inicia o seu programa de visita com um Fórum Empresarial Angola-Espanha, no qual deverá fazer a sua intervenção no final.
Após o fórum, Pedro Sánchez segue para o encontro com o chefe de Estado angolano, no Palácio presidencial, à Cidade Alta, onde vão decorrer conversações entre as delegações ministeriais. De acordo com o programa, está previsto intervenções de Pedro Sánchez e João Lourenço na abertura das conversações. A assinatura de quatro instrumentos jurídicos, entre acordos e memorandos de entendimento, nas áreas de transporte aéreo, indústria, pesca e agricultura, deverá acontecer no final das conversações, seguindo-se declarações à imprensa de Pedro Sánchez e João Lourenço.
Antes de deixar o país, com destino ao Senegal, o chefe do governo espanhol vai visitar uma subestação elétrica, com participação de Espanha, e o colégio salesiano Dom Bosco, ambos em Luanda.
«Queremos transformar esta década na década de Espanha em África», salientou o chefe do Governo espanhol na semana passada, acrescentando que «Espanha está cada vez mais próxima de África e a África cada vez mais próxima de Espanha e também da Europa».
Na altura Sánchez apresentou o plano ‘Foco África 2023’ que espera que marque um ponto de viragem nas relações de todo o tipo com o continente africano, a fim de alcançar uma nova parceria estratégica em que Madrid possa liderar a acção da União Europeia com esta parte do mundo.(In Observador)