Num discurso considerado bastante controverso por analistas, o Presidente João Lourenço afirmou que «forças internas e externas, ligadas aos que delapidaram o erário público» estão a organizar «uma campanha» que visa denegrir e desacreditar a justiça e o Estado angolano.
O chefe do Executivo angolano, que discursava na terça-feira (30.03), em Luanda, na cerimónia solene de abertura do ano judicial em Angola, exortou os órgãos judiciais a continuarem o seu trabalho no combate à corrupção e impunidade.
O Presidente referiu que o país «vem dando passos corajosos desde finais de 2017, investigando, julgando e condenando servidores ou ex-servidores públicos de todos os escalões, desde os níveis do município, província e do próprio executivo central, da Assembleia Nacional e de empresas públicas, com imparcialidade necessária para o sucesso desta causa».
João Lourenço salientou que os órgãos de justiça «têm sido incansáveis», apesar da exiguidade de meios, alguma falta de experiência e de condições de trabalho. «Contudo, forças internas e externas, ligadas aos que mais delapidaram o erário público, organizam campanhas com vista a denegrir e desacreditar a justiça e o Estado angolano, mesmo com tantos exemplos concretos de indiciados, arguidos e alguns já condenados» e que, segundo o Presidente angolano, demonstram o comprometimento na luta contra a corrupção.
Para os analistas, há um contra-senso nas afirmações do Presidente, considerando que diversos desses indivíduos, «que mais delapidaram o erário público», têm beneficiado da ‘protecção’ do próprio Chefe de Estado, não permitindo que prestem contas à justiça.
Por outro lado, em relação a casos julgados e condenados, diante do cenário de desgraça criado no país e dos mais de 1.500 processos em poder da Procuradoria-Geral da República (PGR), como foi dito pelo Procurador-geral, Hélder Pita Gróz, desde que se lançou a campanha de combate à corrupção em 2017, que tem sido, alegadamente, selectiva, «é uma gota no oceano», afirmam os críticos.
Enquanto isso, na segunda-feira (29), Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, visada em vários processos judiciais em Angola e no estrangeiro, acusou João Lourenço de tentar «usurpar» ilegalmente os seus bens e afirma ter provas que revelam «uma conspiração» contra si, urdida pelos serviços secretos angolanos.
Recorde-se que não foi a primeira vez que a empresária afirmou ser «vítima de perseguição política» e se queixou de ser alvo de «uma justiça selectiva que visa a família Dos Santos e figuras ligadas ao antigo Presidente».
Porém, o Presidente João Lourenço insistiu que «os que veem o seu castelo desmoronar de forma inexorável» tentam defender os seus interesses e procuram reverter a situação fora dos tribunais.
«Pretendem ser eles a comandar a acção da justiça angolana, envolvendo o chefe de Estado a ponto de determinarem quem deve ser indiciado. É evidente que isto está à partida condenado ao fracasso», avisou, sublinhando que a justiça angolana vai cumprir o seu papel e o Presidente não vai interferir na acção da justiça «em violação da Constituição, como pretendem que o faça».
Estará o Presidente da República a admitir que a corrupção estende-se aos próprios órgãos de Justiça? Questionam os analistas. *(Com agências)