Uma língua deve ser vista como parte do património cultural colectivo que se vai construindo e desconstruindo em função da dinâmica ditada por vários momentos da história humana, disse o docente universitário angolano Manuel Muanza.
Regente do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda, Manuel Muanza respondia a questões colocadas pela Angop. Numa extensa e muito rica entrevista, o docente universitário reconhece que o sistema de ensino angolano tem «méritos e fraquezas», ao mesmo tempo que defende que «o ensino superior deverá, pura e simplesmente, abolir o regime de docente-colaborador».
Acompanhe a versão integral da entrevista:
Pergunta (P) – Uma língua é um património social, não dependendo de caprichos de ninguém a sua alteração. Concorda com essa afirmação, que, aliás, é uma das bases da Ortografia Portuguesa de 1885?
Resposta (R) – Nesta afirmação convincente está expressa a perspectiva segundo a qual uma língua deve ser vista como parte do património cultural colectivo que se vai construindo e desconstruindo em função da dinâmica ditada por vários momentos da história humana.
As práticas da comunicação dos usuários (povos) em diversos contextos sociais, culturais, históricos e políticos, entre outros, conduzem a língua a mudanças estruturais e formais de modo natural.
Por esta razão, os linguistas formulam a ideia de variações na língua. Tais variações podem ser geográficas (ou “diatópicas”, que podem acontecer na maneira de exprimir numa determinada região ou país), ou podem afectar a língua em função da relação desta com determinadas camadas da sociedade (variação diastrática, para os linguistas).
Mas, não tenhamos ilusão, tais variações precisam de ser objecto de registo e estudo e alguém as deve organizar. O registo assim visto pode dar lugar a instrumentos como é o caso do Acordo Ortográfico.
P – A ortografia é o sistema de escrita pela qual é representada a língua de um povo ou de uma nação. Defende, para Angola, a existência de uma ortografia própria da Língua Portuguesa, ou acha que devamos continuar vinculados aos acordos ortográficos existentes?
R – O objectivo do Novo Acordo Ortográfico de 1990 é o de conseguir aproximar a língua escrita da língua falada. Por exemplo, quando o falante do português se exprime não pronuncia a consoante “C” na palavra “seleccionar”. Quer isto dizer que a consoante “C” é muda, porque não é dita. Por esta razão, o “C” está eliminado no Novo Acordo. E assim acontece com outras palavras, tais como “ação” (no lugar de “acção”), “adoção” (em vez de “adopção”) e “batismo” (em vez de “baptismo”).
Como se constata, o Novo Acordo, a meu ver, resolve o problema da grafia de certas palavras que suscitavam dúvidas em alguns usuários no momento de redigir o texto, especificamente as que se diziam (ou dizem) de uma maneira e se grafam (ou grafavam) de outra.
Entretanto, todo o fenómeno carrega vantagens e desvantagens. Por exemplo, causa certo desconforto cortar a consoante “C” no vocábulo “facto” (para “fato”). Neste caso, o Novo Acordo aligeira a dor do usuário e admite a chamada “dupla grafia”. Quer isto dizer que podemos usar tanto “fato” como “facto”. O mesmo se dá em relação a vários outros casos como “deceção” e “decepção”, ambos aceites na Nova Ortografia.
Posto isto, não há razão para desejar que alguém teorize uma escrita do português singularizada no caso de Angola. Não vejo fundamentos científicos.
P – Em Angola está a tornar-se recorrente o uso de expressões verbais inexistentes, como por exemplo “esteje” e “seje”, inclusivamente, por pessoas que não deviam fazê-lo. É de começar a considerar o reconhecimento das mesmas, no contexto de uma ortografia e fonética “à angolana”, ou simplesmente “lutar” para que sejam banidas?
R – A resposta é “lutar para as banir”. Devemos ensinar o usuário a usar bem a língua. Erro é erro. Deve ser corrigido. Imagine, por exemplo, que alguém diga “kudibangala” em vez de “kudibangela” (em kimbundu), “lalepu” em vez de “lalipó”, “Ngevi” em vez de “Ngeve” (em umbundu), “nsami” em vez de “nsamu” (em kikongo). É erro e o caminho é corrigí-lo.
Por isso, nós, profissionais da Educação e os da Comunicação Social, devemos encontrar estratégias comuns para realizarmos a nossa missão de formar e informar. “Câmera” (para “Câmara”), “controle” (para “controlo”) não são utilizáveis no padrão do português em uso em Angola e Portugal. O falar errado das formais verbais tais como “seje”, “esteje” em vez das formas correctas “seja” e “esteja” deve ser objecto de correcção recorrendo a uma estratégia pedagógica que pode passar pela explicação em breves segundos como o faz bem uma estação de televisão (salvo erra, a TPA).
P – Neste mesmo âmbito, é recomendável considerar a sugestão de alguns linguistas para legitimar um “Português Angolano”?
R – Se o “Português Angolano” consiste em legitimar o erro, não há fundamentos científicos aí. Por exemplo, “acarretar água” é o que está correcto. Desejar que se incorpore “cartar água” no léxico de um pretenso “Português Angolano” revela uma proposta inusitada e descabida de razão. Será infrutífero procurar aí uma sustentação semântica da proposta.
Uma visão racional e cientificamente sustentada tem a ver com a chamada “variedade” do português. Tal como dissemos já acima, a expressão falada varia em função da região, do estrato da população que a usa. Estas circunstâncias conduzem a determinadas diferenças na fala e à incorporação de vocábulos oriundos das línguas africanas. Por exemplo, observa-se uma tendência para a abertura generalizada de vogais no falar angolano, em oposição ao falar luso. Este e outro tipo de fenómeno ocorrem em qualquer língua e costumam ser elementos-chave para a descrição da identidade cultural. Verifica-se, também, a incorporação de vocábulos das línguas africanas no português, tais como “kamba”, “kota”. Mas, este fenómeno não debita subsídios para a defesa de um “Português Angolano”. Até porque muitos desses vocábulos já estão dicionarizados nas edições mais recentes impressas em Portugal.
Um dos aspectos do falar e do escrever angolano que me parece aceitável à incorporação na norma da língua tem a ver com a colocação de clíticos (me, te, se, lhe, nos, etc.). Brasil resolveu este problema, admitindo o uso facultativo de clíticos, embora a posição proclítica (exemplo: “me diga, cara”) seja a mais usada pelos usuários no Brasil em oposição à norma europeia (“diga-me” # “que me diga”).
A ciência recusa unanismo e privilegia a perspectiva crítica de abordagem dos problemas e fenómenos, de tal modo que muitos de nós nos colocamos do lado oposto do daqueles que formulam a visão, fundada ou não em suporte científico, segundo a qual um “Português de Angola” deverá ser instituído, convocando para o uso “normativo”, o que a norma europeia em vigor considera como erro ou o que a gramática institui como erro (“esteje”, “fala no Manuel que lhi mandei um presente”).
P – Qual a sua opinião sobre o nosso sistema de ensino, a todos os níveis, particularmente da língua portuguesa, sabendo-se que os alunos e estudantes apresentam-se com muitas debilidades?
R – O nosso sistema de ensino tem méritos e fraquezas. Se visitarmos as estatísticas, concluiremos que a maior parte dos quadros empregados nas áreas técnicas e humanísticas receberam formação no país.
Se recensearmos os quadros de referência, os chamados formadores de opinião e os que pertencem à elite de influência e à elite do poder, também concluiremos que a maioria teve formação no país.
Esta maneira de ver o fenómeno leva-nos a concluir que o sistema de ensino tem méritos, pelas seguintes razões: 1) os angolanos constituem a maioria esmagadora do corpo docente; 2) uma insignificante parte deste corpo de formadores alista expatriados.
Em relação à proficiência questionável de alguns alunos e de alguns professores em Língua Portuguesa, há que ter elementos e experiência para comentar o assunto. Deve-se ter muita cautela.
A nossa experiência (falo por mim) permite aconselhar uma abordagem que não deve visar identificar culpados. Devemos descrever o fenómeno e elaborar uma solução.
Sou regente do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda.
Mesmo antes da existência dos outros ISCED (só existiu o então ISCED-mãe, no Lubango) nas províncias, a prática demonstra que os candidatos à graduação provenientes da rede de escolas de ensino médio da comunidade católica dos “Irmãos Maristas” têm, geralmente, competência irrepreensível na escrita e na expressão oral em português.
Nunca obtêm valores negativos nos testes de escrita e fala. Num passado recente (até por volta do início dos anos 2000), a rede do ex-Instituto Normal de Educação (INE) fornecia quadros médios competentes à mesma altura da rede Maristas. Hoje, as competências do produto fornecido por esta rede do ex-INE declinaram consideravelmente.
O próprio ISCED deve repensar (e já está a fazê-lo) em estratégias para melhorar a proficiência dos quadros que fornece aos subsistemas de ensino geral (e superior). Também aqui a qualidade deixa muito a desejar.
P – Então, onde está o problema?
R – A nosso ver, o problema está em três domínios: a gestão dos recursos humanos; a condução do processo de ensino-aprendizagem; a avaliação em todos os domínios da actividade dos subsistemas de ensino do país.
Concentremo-nos na formação de formadores para ensino do português e na preparação dos alunos futuros formadores. Em breve, eis o quadro: Quanto à gestão dos recursos humanos.
Temos quadros formados em ensino do português no desemprego, mas, curiosamente, aqui mesmo em Luanda, temos, no ensino geral (e secundário), diplomados em Máquinas e Motores e outras áreas técnicas a ensinarem Português. Claro, sem o domínio dos conteúdos e da Metodologia e Didáctica específica. Deixo os detalhes para um foro adequado.
Falemos da condução do processo de ensino-aprendizagem. Esta questão mina as práticas pedagógicas. Por exemplo, ensina-se a gramática de modo mecânico sem ligação com a produção textual e a discussão do pensamento. Ora, há muito que a tendência metodológica consiste em partir do texto e da fala para a compreensão e discussão do modo como funcionam os elementos que estruturam a língua (funcionamento ou operacionalização da língua).
O ensino-aprendizagem a que se assiste, em geral, organiza-se exclusivamente na sala de aulas, limitando o processo a alguns meios pedagógicos: o papel (caderno, manual, quadro, giz). O conteúdo centra-se na leitura e interpretação, na indagação do que se memorizou e na reprodução no momento de responder a questionários de um enunciado de prova de avaliação. Nesse cenário, trata-se de um autêntico círculo vicioso que faz da disciplina de língua portuguesa um espantalho dos alunos, uma “coisa difícil”. (Continua)
Segundo o professor Manuel Muanza: Língua é património cultural colectivo (I)
Uma língua deve ser vista como parte do património cultural colectivo que se vai construindo e desconstruindo em função da dinâmica ditada por vários momentos da história humana, disse o docente universitário angolano Manuel Muanza.
Regente do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda, Manuel Muanza respondia a questões colocadas pela Angop. Numa extensa e muito rica entrevista, o docente universitário reconhece que o sistema de ensino angolano tem «méritos e fraquezas», ao mesmo tempo que defende que «o ensino superior deverá, pura e simplesmente, abolir o regime de docente-colaborador».
Acompanhe a versão integral da entrevista:
Pergunta (P) – Uma língua é um património social, não dependendo de caprichos de ninguém a sua alteração. Concorda com essa afirmação, que, aliás, é uma das bases da Ortografia Portuguesa de 1885?
Resposta (R) – Nesta afirmação convincente está expressa a perspectiva segundo a qual uma língua deve ser vista como parte do património cultural colectivo que se vai construindo e desconstruindo em função da dinâmica ditada por vários momentos da história humana.
As práticas da comunicação dos usuários (povos) em diversos contextos sociais, culturais, históricos e políticos, entre outros, conduzem a língua a mudanças estruturais e formais de modo natural.
Por esta razão, os linguistas formulam a ideia de variações na língua. Tais variações podem ser geográficas (ou “diatópicas”, que podem acontecer na maneira de exprimir numa determinada região ou país), ou podem afectar a língua em função da relação desta com determinadas camadas da sociedade (variação diastrática, para os linguistas).
Mas, não tenhamos ilusão, tais variações precisam de ser objecto de registo e estudo e alguém as deve organizar. O registo assim visto pode dar lugar a instrumentos como é o caso do Acordo Ortográfico.
P – A ortografia é o sistema de escrita pela qual é representada a língua de um povo ou de uma nação. Defende, para Angola, a existência de uma ortografia própria da Língua Portuguesa, ou acha que devamos continuar vinculados aos acordos ortográficos existentes?
R – O objectivo do Novo Acordo Ortográfico de 1990 é o de conseguir aproximar a língua escrita da língua falada. Por exemplo, quando o falante do português se exprime não pronuncia a consoante “C” na palavra “seleccionar”. Quer isto dizer que a consoante “C” é muda, porque não é dita. Por esta razão, o “C” está eliminado no Novo Acordo. E assim acontece com outras palavras, tais como “ação” (no lugar de “acção”), “adoção” (em vez de “adopção”) e “batismo” (em vez de “baptismo”).
Como se constata, o Novo Acordo, a meu ver, resolve o problema da grafia de certas palavras que suscitavam dúvidas em alguns usuários no momento de redigir o texto, especificamente as que se diziam (ou dizem) de uma maneira e se grafam (ou grafavam) de outra.
Entretanto, todo o fenómeno carrega vantagens e desvantagens. Por exemplo, causa certo desconforto cortar a consoante “C” no vocábulo “facto” (para “fato”). Neste caso, o Novo Acordo aligeira a dor do usuário e admite a chamada “dupla grafia”. Quer isto dizer que podemos usar tanto “fato” como “facto”. O mesmo se dá em relação a vários outros casos como “deceção” e “decepção”, ambos aceites na Nova Ortografia.
Posto isto, não há razão para desejar que alguém teorize uma escrita do português singularizada no caso de Angola. Não vejo fundamentos científicos.
P – Em Angola está a tornar-se recorrente o uso de expressões verbais inexistentes, como por exemplo “esteje” e “seje”, inclusivamente, por pessoas que não deviam fazê-lo. É de começar a considerar o reconhecimento das mesmas, no contexto de uma ortografia e fonética “à angolana”, ou simplesmente “lutar” para que sejam banidas?
R – A resposta é “lutar para as banir”. Devemos ensinar o usuário a usar bem a língua. Erro é erro. Deve ser corrigido. Imagine, por exemplo, que alguém diga “kudibangala” em vez de “kudibangela” (em kimbundu), “lalepu” em vez de “lalipó”, “Ngevi” em vez de “Ngeve” (em umbundu), “nsami” em vez de “nsamu” (em kikongo). É erro e o caminho é corrigí-lo.
Por isso, nós, profissionais da Educação e os da Comunicação Social, devemos encontrar estratégias comuns para realizarmos a nossa missão de formar e informar. “Câmera” (para “Câmara”), “controle” (para “controlo”) não são utilizáveis no padrão do português em uso em Angola e Portugal. O falar errado das formais verbais tais como “seje”, “esteje” em vez das formas correctas “seja” e “esteja” deve ser objecto de correcção recorrendo a uma estratégia pedagógica que pode passar pela explicação em breves segundos como o faz bem uma estação de televisão (salvo erra, a TPA).
P – Neste mesmo âmbito, é recomendável considerar a sugestão de alguns linguistas para legitimar um “Português Angolano”?
R – Se o “Português Angolano” consiste em legitimar o erro, não há fundamentos científicos aí. Por exemplo, “acarretar água” é o que está correcto. Desejar que se incorpore “cartar água” no léxico de um pretenso “Português Angolano” revela uma proposta inusitada e descabida de razão. Será infrutífero procurar aí uma sustentação semântica da proposta.
Uma visão racional e cientificamente sustentada tem a ver com a chamada “variedade” do português. Tal como dissemos já acima, a expressão falada varia em função da região, do estrato da população que a usa. Estas circunstâncias conduzem a determinadas diferenças na fala e à incorporação de vocábulos oriundos das línguas africanas. Por exemplo, observa-se uma tendência para a abertura generalizada de vogais no falar angolano, em oposição ao falar luso. Este e outro tipo de fenómeno ocorrem em qualquer língua e costumam ser elementos-chave para a descrição da identidade cultural. Verifica-se, também, a incorporação de vocábulos das línguas africanas no português, tais como “kamba”, “kota”. Mas, este fenómeno não debita subsídios para a defesa de um “Português Angolano”. Até porque muitos desses vocábulos já estão dicionarizados nas edições mais recentes impressas em Portugal.
Um dos aspectos do falar e do escrever angolano que me parece aceitável à incorporação na norma da língua tem a ver com a colocação de clíticos (me, te, se, lhe, nos, etc.). Brasil resolveu este problema, admitindo o uso facultativo de clíticos, embora a posição proclítica (exemplo: “me diga, cara”) seja a mais usada pelos usuários no Brasil em oposição à norma europeia (“diga-me” # “que me diga”).
A ciência recusa unanismo e privilegia a perspectiva crítica de abordagem dos problemas e fenómenos, de tal modo que muitos de nós nos colocamos do lado oposto do daqueles que formulam a visão, fundada ou não em suporte científico, segundo a qual um “Português de Angola” deverá ser instituído, convocando para o uso “normativo”, o que a norma europeia em vigor considera como erro ou o que a gramática institui como erro (“esteje”, “fala no Manuel que lhi mandei um presente”).
P – Qual a sua opinião sobre o nosso sistema de ensino, a todos os níveis, particularmente da língua portuguesa, sabendo-se que os alunos e estudantes apresentam-se com muitas debilidades?
R – O nosso sistema de ensino tem méritos e fraquezas. Se visitarmos as estatísticas, concluiremos que a maior parte dos quadros empregados nas áreas técnicas e humanísticas receberam formação no país.
Se recensearmos os quadros de referência, os chamados formadores de opinião e os que pertencem à elite de influência e à elite do poder, também concluiremos que a maioria teve formação no país.
Esta maneira de ver o fenómeno leva-nos a concluir que o sistema de ensino tem méritos, pelas seguintes razões: 1) os angolanos constituem a maioria esmagadora do corpo docente; 2) uma insignificante parte deste corpo de formadores alista expatriados.
Em relação à proficiência questionável de alguns alunos e de alguns professores em Língua Portuguesa, há que ter elementos e experiência para comentar o assunto. Deve-se ter muita cautela.
A nossa experiência (falo por mim) permite aconselhar uma abordagem que não deve visar identificar culpados. Devemos descrever o fenómeno e elaborar uma solução.
Sou regente do Curso de Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda.
Mesmo antes da existência dos outros ISCED (só existiu o então ISCED-mãe, no Lubango) nas províncias, a prática demonstra que os candidatos à graduação provenientes da rede de escolas de ensino médio da comunidade católica dos “Irmãos Maristas” têm, geralmente, competência irrepreensível na escrita e na expressão oral em português.
Nunca obtêm valores negativos nos testes de escrita e fala. Num passado recente (até por volta do início dos anos 2000), a rede do ex-Instituto Normal de Educação (INE) fornecia quadros médios competentes à mesma altura da rede Maristas. Hoje, as competências do produto fornecido por esta rede do ex-INE declinaram consideravelmente.
O próprio ISCED deve repensar (e já está a fazê-lo) em estratégias para melhorar a proficiência dos quadros que fornece aos subsistemas de ensino geral (e superior). Também aqui a qualidade deixa muito a desejar.
P – Então, onde está o problema?
R – A nosso ver, o problema está em três domínios: a gestão dos recursos humanos; a condução do processo de ensino-aprendizagem; a avaliação em todos os domínios da actividade dos subsistemas de ensino do país.
Concentremo-nos na formação de formadores para ensino do português e na preparação dos alunos futuros formadores. Em breve, eis o quadro: Quanto à gestão dos recursos humanos.
Temos quadros formados em ensino do português no desemprego, mas, curiosamente, aqui mesmo em Luanda, temos, no ensino geral (e secundário), diplomados em Máquinas e Motores e outras áreas técnicas a ensinarem Português. Claro, sem o domínio dos conteúdos e da Metodologia e Didáctica específica. Deixo os detalhes para um foro adequado.
Falemos da condução do processo de ensino-aprendizagem. Esta questão mina as práticas pedagógicas. Por exemplo, ensina-se a gramática de modo mecânico sem ligação com a produção textual e a discussão do pensamento. Ora, há muito que a tendência metodológica consiste em partir do texto e da fala para a compreensão e discussão do modo como funcionam os elementos que estruturam a língua (funcionamento ou operacionalização da língua).
O ensino-aprendizagem a que se assiste, em geral, organiza-se exclusivamente na sala de aulas, limitando o processo a alguns meios pedagógicos: o papel (caderno, manual, quadro, giz). O conteúdo centra-se na leitura e interpretação, na indagação do que se memorizou e na reprodução no momento de responder a questionários de um enunciado de prova de avaliação. Nesse cenário, trata-se de um autêntico círculo vicioso que faz da disciplina de língua portuguesa um espantalho dos alunos, uma “coisa difícil”. (Continua)