Início Ciência Cetamina oral teve um efeito drástico em pacientes com pensamentos suicidas crônicos

Cetamina oral teve um efeito drástico em pacientes com pensamentos suicidas crônicos

por Redação

O suicídio é uma grande ameaça à saúde pública. Nos últimos anos, as taxas de suicídio pioraram no Brasil, entre outros países, e tragicamente, é um fenômeno que está a acelerar mesmo entre as crianças.

Marcelo Ribeiro*

Há razões para esperança diante deste desespero fatal, no entanto. A cetamina – um anestésico descoberto na década de 1950 – pode ser desdenhada por muitos como um tranquilizante de cavalo ou uma droga ilícita, mas isso está longe da realidade completa deste poderoso produto químico.
Um novo estudo mostra que doses orais de cetamina podem reduzir drasticamente a imaginação suicida em pacientes com pensamentos suicidas crônicos – a última descoberta de uma série de experiências que nos força a reavaliar a droga.
Nos últimos anos, a reputação das cetaminas passou por uma espécie de transformação, graças a novas descobertas científicas dos efeitos positivos que pode ter sobre as pessoas que enfrentam problemas de saúde mental.
Uma boa quantidade de pesquisas mostrou que a cetamina parece ser capaz de tratar depressão severa, entre outras condições.
Enquanto os mecanismos misteriosos por trás desses efeitos ainda estão a ser explorados, a Anvisa aprovou em 2020 um spray nasal à base de cetamina.
Além disso, pesquisadores descobriram que o produto químico reduz significativa e rapidamente a imaginação suicida em pessoas que experimentam tais pensamentos – o que é algo que os antidepressivos tradicionais muitas vezes não conseguem fazer, e podem levar semanas para funcionar se de facto fizerem efeito.
No entanto, há muito que ainda não sabemos sobre o quão eficaz a cetamina é na redução de pensamentos suicidas, dizem os cientistas.
Para começar, a maioria das experiências existentes avaliando a eficácia da droga contra o suicídio foi realizada através de injeção intravenosa – um método viável, mas caro, invasivo e às vezes propenso a complicações. Os pesquisadores dizem que há outra maneira mais simples e barata.
«Uma forma oral de cetamina que possa ser administrada com facilidade, e potencialmente de uma maneira mais frequente, é … uma opção atraente para o tratamento da imaginação suicida», escrevem pesquisadores da Universidade da Costa do Sol (USC), na Austrália, em um novo estudo.
«No entanto, pouquíssimos estudos têm explorado a viabilidade da baixa dose de cetamina oral no tratamento do suicídio».
Para ajudar a resolver isso, uma equipa liderada pelo psiquiatra da USC Adem Can realizou um teste de rótulo aberto onde 32 pacientes adultos receberam doses leves sub anestésicos de cetamina oral ao longo de seis semanas, misturadas em sumo de laranja, com a dosagem aumentando ao longo da experiência.
Todos os participantes do estudo experimentavam imaginação suicida crônica – um nível contínuo de pensamentos suicidas que permanecem na mente durante um período de tempo, mas que nunca levam a risco agudo ou extremo de suicídio.
«Esses pacientes conviveram com o suicídio por muito tempo e apresentaram uma série de condições psiquiátricas, incluindo transtornos de humor, ansiedade e personalidade, e muitos deles perderam a esperança de recuperação», explica Can.
Apesar da natureza crônica da sua condição, a experiência produziu uma resposta substancial e de acção rápida.
«Em média, os pacientes experimentaram uma redução significativa na imaginação suicida, de um alto nível antes do ensaio para abaixo do limiar clínico na sexta semana do estudo», diz Can.
«Na medicina, essa taxa de resposta é significativa, especialmente porque foi experimentada por pacientes com suicídio crônico, o que pode ser difícil de tratar».
Usando um teste especificamente projectado para medir níveis de intenção suicida, os pesquisadores descobriram que após as seis semanas de tratamento com cetamina, os pensamentos suicidas reduziram em mais de dois terços (69%) dos voluntários.
Um teste de acompanhamento feito quatro semanas depois da dose final viu um pequeno, mas significativo, aumento nos pensamentos suicidas, sugerindo que os efeitos da droga esvanecem com o tempo.
No entanto, mesmo neste ponto, ainda era uma queda de cerca de 50% na imaginação suicida em comparação com os níveis anteriores ao tratamento. Medidas secundárias de depressão e suicídio também tiveram melhorias.
Alguns dos participantes experimentaram efeitos colaterais temporários, no entanto, especialmente no início do estudo, quando estavam se acostumando com os efeitos da droga. Os efeitos colaterais incluíram diminuição da energia e fadiga, inquietação, ansiedade, tontura, entre outros.
De acordo com os pesquisadores, porém, não foram registados eventos adversos graves, e a droga foi geralmente bem tolerada pelo grupo.
Além disso, a redução da imaginação suicida observada está no geral similar com os resultados de experiências anteriores com cetamina intravenosa.
Embora os pesquisadores reconheçam que há muito mais que ainda precisamos aprender sobre o impacto da cetamina no comportamento suicida, as descobertas são novas evidências importantes dos efeitos que a cetamina pode trazer a curto prazo, mas com a praticidade da administração oral.
«Até onde sabemos, o presente estudo é o primeiro a explorar a viabilidade, a segurança e a tolerabilidade da cetamina oral sobre a imaginação suicida crônica em pacientes que apresentaram uma série de condições psiquiátricas, incluindo transtornos de humor, ansiedade e personalidade», escrevem os autores.
«No geral, a cetamina oral levou a melhorias significativas a curto prazo e prolongadas na imaginação suicida crônica, sintomas afectivos, bem-estar e funcionamento sócio-ocupacional nesta amostra de adultos com histórico de imaginação suicida crônica e [transtorno depressivo maior]».
As descobertas foram publicadas na Translational Psychiatry. *(In HypeScience)

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